De Paris para o meu Portugal
“Alors Rute”
“-Terminé?” Perguntavam os franceses na rua, enquanto desfilava de medalha orgulhosamente pendurada ao peito.
3 de Abril de 2016
E lá estava eu, no meio de 30 mil atletas, corredores ou simplesmente apaixonados pela corrida, nos quais me incluo e com o Arco do Triunfo a olhar-me de frente todo imponente, quase que a afirmar: ”se vieste até aqui, tens de triunfar!!”
No dia anterior Paris tinha ido dormir com chuva e naquele domingo acordou abrilhantada pela luz do sol e com uma temperatura agradável para quem como eu gosta de sentir o sol a aquecer a pele e a iluminar o caminho até á meta. Salvo algum frio inicial, facilmente colmatado com agasalhos de que os atletas se fizeram acompanhar, e depois iam abandonando na linha de partida. Fui aconselhada no dia anterior a comprar algo baratucho que depois me conseguisse desfazer facilmente, mas não me recordo de ver lojas dos chineses em Paris. E nestas alturas não sei se pela adrenalina inerente àquele período de espera que antecede qualquer partida de uma Maratona, a sensação de frio desaparece e dá lugar a uma aceitação natural das condições atmosféricas de um inicio de Primavera em Paris.
Muitos dos maratonistas acostumados a estas lides são assertivos em concordar que mais do que percorrer os 42 kms no dia marcado para o fazer, o que custa é prepará-la, e fazer cumprir um plano de treino, especialmente quando este incide quase todo no Inverno tendo como fieis companheiros o frio e a chuva. Outros dirão que o frio e a chuva são bem mais simpáticos do que correr debaixo de sol e calor, mas todos concordam que o verdadeiro teste é perseguir no encalce desse objetivo, ainda que para isso seja necessário acordar cedo aos domingos de manhã, quando este é o único dia da semana em que se pode dormir até tarde e com isso sacrificar algumas saídas mais tardias nos sábados à noite. No meu caso, os treinos longos de Domingo são de todos os meus preferidos, com um sabor agridoce desde o momento em que abandono a cama até que os concluo e trazem consigo aquela sensação de dever cumprido. As metas existem mesmo para serem alcançadas, custe o que custar e não me incomoda retirar algum tempo a outras atividades do dia-a-dia pelo gosto de completar a minha viagem dos 42kms.
Contudo, planear uma Maratona além-fronteiras exige uma preparação e logística diferente, um envolvimento que é simultaneamente maior com a cidade que nos vai acolher, mas o nível de concentração nos 42kms propriamente ditos tende a diminuir.
Desde o sonhar correr uma Maratona fora da minha bela Invicta até decidir que seria em Paris, pronunciar o destino e ter quem prontamente acena-se a sorrir que o desejava fazer também, foi praticamente um instante decisivo. Um instante que rapidamente se materializou numa inscrição vespertina de um dia de Setembro.
E porquê Paris?
Em primeiro lugar, porque queria conhecer Paris, nunca lá tinha estado, e qual a melhor forma de o conhecer do que com as minhas próprias pernas e ser feliz a correr algumas horas, em locais onde só assim seria possível conhecer dessa forma? Lembro-me de pensar que a Avenida dos Champs Elisées estaria cortada ao trânsito nesse dia e o asfalto estaria por nossa conta, e essa ideia fez-me sorrir. E é sempre assim que sei que quero embarcar em uma qualquer aventura, quando dou por mim a sorrir e a sonhar acordada.
O percurso apesar de não ser tão fácil como imaginava, não desilude, são 42.195 m de festa, ruas imersas numa multidão de pessoas a assistir e incentivando seus amigos e familiares, organizações de grupos espontâneos, na minha cabeça ficou a imagem do grupo de bombeiros, vestidos a preceito e a apoiar os participantes. É mesmo espetacular correr ao lado do Rio Sena, da Torre Eiffel, do museu de Louvre, mas aqui entre nós correr nas margens do Rio Douro tem encantos e recantos que não encontramos nos vários túneis que temos de percorrer durante o percurso da Maratona de Paris. Essas foram as partes mais penosas para mim, não achei piada nenhuma a perder a luminosidade do dia, e de cada vez que aparecia uma subida na saída de um túnel era como se o meu corpo duplicasse o consumo de energia com o esforço. Mas tudo isto era depois amenizado com o aglomerado de pessoas à saída dos túneis a gritar : Alors Rute, alors!!, e pela companhia constante de diversas bandas de música e ritmos desde a percursão africana, rock e samba brasileiro, ao longo de todo o percurso.
Nem sempre corre bem!! Ou tão bem como desejaríamos e muitas vezes fatores externos à nossa vontade sobrepõem-se e fazem com que a corrida não seja tão fluída como desejaríamos, mas é nesse momento que temos de duplicar as forças e sentir orgulhosas por não atirar a toalha no chão. Nesse dia senti uma fraqueza extrema nos kms finais e fui obrigada a parar e andar alguns metros até o abastecimento seguinte, algo impensável para mim até aquele momento. Sempre julgara que se parasse de correr as minhas pernas depois se recusariam a prosseguir, e ameaçavam fazê-lo, mas como sempre, a minha mente, ainda que já a delirar, venceu a batalha e continuei em frente.
O que me levava a prosseguir? Em primeiro lugar, saber que tinha a minha amiga e companheira de aventura Helena na meta à minha espera e não queria demorar a chegar para a abraçar e terminar com toda aquela fraqueza que estava a sentir. Desde o inicio sabia que não iriamos conseguir fazer a Maratona juntas, mas tinha aguentado os primeiros 18 kms ao lado dela, depois deixei que fosse indo e percebi que iria fazer o resto dos kms sozinha. O que não seria a propriamente novidade para mim, já tinha acontecido na Maratona do Porto, mas desta vez estava em território desconhecido, completamente fora da zona de conforto. Além disso, estava em Paris, queria tanto terminar esta aventura, que nada me iria impedir e tinha de ser naquele momento, não existia um botão de repeat. Depois foquei toda a minha concentração no km 41, sabia que ao passar no controlo do km 41 iria surgir uma fotografia e queria estar com um ar de confiança, apesar da minha energia estar na reserva. A partir daí, fui buscar energia não sei bem aonde, abri a passada e num instante estava a cruzar a Meta, novamente junto ao Arco do Triunfo.
Seguiu-se um alivio imediato, tinha terminado. Depois a frustração do tempo, 4h e 15m, secretamente desejava completar o percurso abaixo das 4h, mas que remédio vai ter de ficar para uma próxima vez. E só depois de abraçar a Helena e me sentar no chão rodeada de outros corredores cansados, mas felizes e despenteados como eu, é que percebi o que me tinha acontecido. Não tinha sido fácil, mas tinha chegado lá. Tinha dado a volta à situação, fitando o Muro e Chegado lá, e estava genuinamente feliz por isso.
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